sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Sobre a autoironia (conversa com um bom amigo)


rir das coisas que nos fazem sofrer
e um bom caminho
para que essas mesmas coisas
deixem de nos fazer sofrer
já que não dá pra ser indiferente a isso
é melhor rir disso
do que chorar por isso

terça-feira, 20 de setembro de 2011

O fio da cafeteira

Se me fosse concedido realizar um capricho, eu gostaria de ter toda a luz, todo o som, toda a imagem, todo calor e todo movimento que tudo me dá, mas sem todos esses fios no ambiente. Isso de fios atrapalha tudo. Obriga a gente lembrar o tempo todo que nada disso é magia. Ou será que é?

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Meu gesto heróico

Levava uma garrafa de café e duas xícaras para servir meus pais. Eram xícaras engraçadinhas e coloridas. Elas eram não, ainda são, e esse detalhe é muito importante. Cada xícara do jogo é formada por duas cores contrastantes entre si e reproduzem uma expressão facial diferente: sorridente, sonolento, cansado, e por aí vai. Minha mãe ganhou esse jogo da minha irmã e as duas adoram ele.

Levava duas xícaras desse jogo de xícaras engraçadinho mais a garrafa de café como eu dizia. Não usava bandeja. Meu pai disse que, segundo as regras de etiqueta, os filhos servem os pais na mão, não na bandeja. Obviamente não é por isso que eu servia sem bandeja, mas porque tive preguiça de procurá-la mesmo e até, eu confesso ciente do ridículo disso, porque não queria aparentar um capricho excessivo com o gesto de servir café. É tão raro meus pais serem servidos com bandeja, que se eu o fizesse eles achariam no mínimo inusitado, quase tão inusitado quanto eu servindo café para eles, o que faria com que eles percebessem com que raridade sirvo-lhes café.

Mas eu ia contando a história: duas xícaras de um jogo engraçadinho e uma garrafa de café nas mãos, sem bandejas. Ah, sim, e também duas colheres de café e o adoçante. Meus pais não comem açúcar. Quando me inclinei para entregar uma das xícaras para meu pai, a garrafa que não estava bem fechada começou a derramar no meu pulso esquerdo.

Doeu. Mas eu mantive e frieza e, com a vagaridade que o ato exigia, caminhei até a mesinha de centro, abaixei e deixei a outra xícara. Com a mão direita livre, pude consertar a garrafa que derramava sobre o pulso esquerdo.

A essa altura, já eram alguns segundos de café quente pingando incessantemente. Doeu bem na hora, mas doeu muito muito mais depois. Ficou muito feio por alguns dias e mancha da cicatriz está aqui até hoje.

Talvez o único gesto heroico da minha vida tenha sido para evitar o desapontamento de minha mãe e de minha irmã quanto a perda de um pequenino objeto sem valor econômico. Mas a xícara, provalvelmente, vai quebrar cedo ou tarde. Então, talvez o úniico gesto heroico de minha vida tenha sido para manter sorrindo uma xícara.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Um café com propósito

Saudades das liberdades e irresponsabilidades da infância. Quando o tempo parece ser devagaaaaaar e os dias looooooooongos. Há muito tempo para tudo e tanta distração para todo o tempo.


Depois a gente cresce e pensa que passou rápido. É estranho lembrar da infância e ter saudades do tempo no qual o tempo passava devagar e, no entanto, achar, nessa saudade, que este tempo passou rápido.


Tenho uma teoria um tanto matemática para explicar isso.


É que quando você é criança um dia é uma fração e tanto da sua vida. Para quem tem cinco anos de idade, um ano é 20% da vida. Os Natais e os aniversários demoram tanto a chegar e quando eles chegam é tão especial. A gente cresce e cada ano vai se tornando fracionalmente menos importante. O Natal chega cada vez mais rápido e, pior, também chegam mais rápido os aniversários e a cada aniversário, cada ano vai se tornando relativamente menos importante. Talvez as nossas medidas de tempo não sejam mesmo importantes e talvez a única medida que importe seja a medida do 1, inteiro. Uma vida inteira, uma vida inteiramente vivida.


Mas isso são pensamentos de adultos. Crianças não se preocupam com isso.


Hoje tomo café para não dormir. Para poder fazer tudo que é preciso ser feito em um dia. Mas ainda prefiro os dias de correria, os dias atarefados aos dias livres e tediosos. Quero trabalhos para me ocuparem. Procuro projetos para realizar. Quando o ano terminada, quero olhar para trás e pensar que foi produtivo, que foi construtivo, que vivi, que fiz, que aprendi, que conheci.


Tomo esse café com propósito. Faço coisas com propósitos. Crio expectativas. Faço planos, quero retornos. Sou adulta agora. Não é que lamente isso. Mas há algo que se perdeu irreversivelmente.