segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Meu gesto heróico

Levava uma garrafa de café e duas xícaras para servir meus pais. Eram xícaras engraçadinhas e coloridas. Elas eram não, ainda são, e esse detalhe é muito importante. Cada xícara do jogo é formada por duas cores contrastantes entre si e reproduzem uma expressão facial diferente: sorridente, sonolento, cansado, e por aí vai. Minha mãe ganhou esse jogo da minha irmã e as duas adoram ele.

Levava duas xícaras desse jogo de xícaras engraçadinho mais a garrafa de café como eu dizia. Não usava bandeja. Meu pai disse que, segundo as regras de etiqueta, os filhos servem os pais na mão, não na bandeja. Obviamente não é por isso que eu servia sem bandeja, mas porque tive preguiça de procurá-la mesmo e até, eu confesso ciente do ridículo disso, porque não queria aparentar um capricho excessivo com o gesto de servir café. É tão raro meus pais serem servidos com bandeja, que se eu o fizesse eles achariam no mínimo inusitado, quase tão inusitado quanto eu servindo café para eles, o que faria com que eles percebessem com que raridade sirvo-lhes café.

Mas eu ia contando a história: duas xícaras de um jogo engraçadinho e uma garrafa de café nas mãos, sem bandejas. Ah, sim, e também duas colheres de café e o adoçante. Meus pais não comem açúcar. Quando me inclinei para entregar uma das xícaras para meu pai, a garrafa que não estava bem fechada começou a derramar no meu pulso esquerdo.

Doeu. Mas eu mantive e frieza e, com a vagaridade que o ato exigia, caminhei até a mesinha de centro, abaixei e deixei a outra xícara. Com a mão direita livre, pude consertar a garrafa que derramava sobre o pulso esquerdo.

A essa altura, já eram alguns segundos de café quente pingando incessantemente. Doeu bem na hora, mas doeu muito muito mais depois. Ficou muito feio por alguns dias e mancha da cicatriz está aqui até hoje.

Talvez o único gesto heroico da minha vida tenha sido para evitar o desapontamento de minha mãe e de minha irmã quanto a perda de um pequenino objeto sem valor econômico. Mas a xícara, provalvelmente, vai quebrar cedo ou tarde. Então, talvez o úniico gesto heroico de minha vida tenha sido para manter sorrindo uma xícara.

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